Chrys Chrystello

Chrys Chrystello

O canto da sereia

Crónica 380  o canto da sereia 2.2.2021

 

O homem-rã Kaj Peters visita a pequena sereia

 

Portugal sempre teve uma inversão de valores que é muito mais notória na segunda metade do séc. XX e começo do séc. XXI, idolatram-se personagens de pés de barro, principescamente pagas (ex.º jogadores de futebol e outros desportos da moda) e remetem-se à mais profunda obscuridade todos os que com o seu pensamento e obras engrandecem as gerações em que vivem.

Passa-se isto na literatura (dantes só se vangloriavam os autores na literatura de cordel, ou de faca e alguidar e hoje na escrita a metro como Rodrigues dos Santos e outros), nas artes plásticas, na arquitetura, no cinema, na música (só se dá valor aos “pimbas”) e os Açores não diferem do pequeno retângulo ibérico, embora aqui exista uma desproporcional quantidade de autores, em todas as áreas do saber, que mereciam alcandorar-se  a prebendas internacionais dada a universalidade das suas obras.

E o que fazem os governos, o nacional e o regional? Concedem umas fraciúnculas como dantes os senhores feudais atiravam migalhas das ameias dos seus castelos à turbamulta famélica que demandava as pontes levadiças.  Tal generosidade não permite à grande maioria viver da sua arte, ou criar livremente sem constrangimentos de como vai alimentar-se a si e à sua família.

Nos relatórios anuais dos orçamentos públicos são sempre nomeadas as centenas de individualidades e entidades coletivas que recebem esses óbolos governamentais e nessa amálgama de milhentos nomes a generosidade governamental parece infinda, Depois, surgem as cliques e as claques  que vendem a alma e as palavras ou as paletas em troca de apoios.

Dizia o falecido escritor micaelense Daniel de Sá (em 2010) que os Colóquios da Lusofonia (AICL) tinham feito mais para disseminar a rica literatura açoriana que 34 anos de benesses autonómicas. Pode ser que sim, e o que temos feito é “pro bono” almejando levar a conhecer a mais gente, nos quatro cantos deste mundo redondo, a vasta produção literária, musical e artística destas nove ilhas.

Não queremos comendas nem honrarias, mas, uma vez por outra, gostávamos que nós e tantos outros que no arquipélago se dedicam a estas nobres causas, pudessem dispor de meios para combater o custo da insularidade seja com as outras ilhas, ou o torrão ibérico ou com a diáspora.

Isto não é nem queixume nem pedinchice (que em várias áreas económicas dos Açores resultam sempre em mais apoios). É o meu canto da sereia, uma mera constatação que visa combater os resultados negativos das estatísticas que apontam os Açores com os piores indicadores na retenção escolar, nos níveis de escolaridade, nas baixas qualificações dos seus pequenos e médios empresários, e na baixa formação das classes trabalhadoras, enquanto não se der valor à cultura e educação nunca sairemos da cauda das estatísticas e nunca atingiremos uma autonomia plena por falta de massa crítica.

Um povo culto nunca toleraria a corrupção, o nepotismo e o chico-espertismo em que o país se afunda.

 


Partilhar:

+ Crónicas