A pintora Graça Morais transformou “o medo, a angústia e a solidão”, do último ano e meio, em arte que vai mostrar na primeira exposição de inéditos depois da pandemia, no Centro de Arte Contemporânea de Bragança.

“Inquietações” é o tema que escolheu para a exposição com 52 pinturas e uma instalação, que abre ao público na sexta-feira, e pode ser visitada até 23 de janeiro, no centro de arte com o nome da pintora transmontana.

“E eu gostava que esta exposição fosse vista como se lê um livro de um filosofo, de um grande escritor, como um filme, e que marca uma época, um período em que muita gente sofreu imenso, porque [as pessoas] perderam os seus entes queridos e nem se puderam despedir deles”, partilhou com a Lusa.

A artista está a acompanhar, em Bragança, a preparação da mostra desta série de trabalhos que começou a pintar em março de 2020, logo que foi decretado o primeiro confinamento.

Graça Morais contou à Lusa que, em vez de ficar fechada em casa, resolveu fazer um ‘autoconfinamento’ no estúdio que tem em Lisboa, sempre rodeada de jornais, que são também uma das novidades da nova exposição.

“Esta obra foi feita em carne viva”, desabafou, pois pelo meio teve problemas de saúde, foi operada aos olhos e ao coração.

Foi através das preocupações pessoais, dos próprios medos e das notícias que “anunciavam sempre qualquer coisa de ameaçadora que estava a tocar as pessoas e o Mundo”, não só a pandemia, como o terrorismo, as catástrofes, as injustiças perante os migrantes, que começou a fazer estas obras.

“Estas obras nasceram de uma urgência que eu sentia em fugir ao medo, em fugir à doença, em fugir de facto à ameaça. E recriei outro mundo, mas que tem a ver, sobretudo com pessoas”, concretizou.

O olhar das pessoas sobressai nos novos quadros, mas sem as máscaras que Graça Morais está “farta de ver”, embora continue a usar, porque “as pessoas deixaram de ter rosto, só se veem os olhos”.

“Nós começamos a dialogar com as pessoas através do olhar, e as pessoas anónimas com quem eu me cruzava na rua, a maioria dos olhares que eu via na rua, eram de desconfiança, de receio, de medo, raramente encontrava olhares que nos trouxessem paz”, observou.

Esses olhares estão presentes nos novos quadros, onde continuam a surgir as metamorfoses de pessoas e animais características da artista, mas também a influência das imagens pintadas há séculos na Capela Sistina, por Michelangelo, e que se repetem no mundo atual.

“Eu tenho no meu estúdio três grandes volumes sobre o restauro da Capela Sistina do Michelangelo, e aqueles três volumes alimentaram-me o meu espírito; ao mesmo tempo eu sentia que muitas daquelas figuras eram as mesmas que eu encontrava nos jornais”, explicou.

Outra influência para esta série surgiu nos jornais e revistas que a pintora continua a comprar em papel, porque gosta de sentir o cheiro e o tato.

As notícias e imagens que lê e vê criam na pintora “um imaginário do mundo”, que recria a partir da cultura como artista.

Por isso, lembrou-se de “mostrar ao público a importância dos jornais” com uma instalação que vai ocupar uma sala do Centro de Arte Contemporânea, que terá as paredes forradas com jornais e, sobre eles, pinturas e desenhos em papel vegetal sobre a temática da exposição.

“Achei que nesta exposição eu devia guardar uma sala só para colar folhas de notícias que eu fui lendo ao longo deste ano e meio”, salientou, confessando que é pouco adepta da falta de contacto físico e da pressão das redes sociais e da Internet.

Esta sala é ao mesmo tempo uma recordação de infância de Graça Morais que, na aldeia transmontana do Vieiro (Vila Flor), onde mantém um 'atelier', via as mulheres, por altura das limpezas da Páscoa, a lavaram as paredes das cozinhas tisnadas pelo fumo das lareiras, e a forrarem-nas com jornais colados com cola de farelo.

“E eu recordo que, miúda, achava muita graça aos jornais e gostava de ler as notícias, só que algumas não as conseguia ler, porque estavam postos ao contrário, pois as mulheres não sabiam ler e colavam os jornais conforme lhes dava mais jeito”, contou.

A exposição “Inquietações” tem curadoria de Joana Baião e Jorge da Costa, e fica patente, no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, em Bragança, em simultâneo com a exposição “Beyond, Between, Here and There”, da artista polaca Magdalena Kleszynska.

 

Graça Morais critica “falsos mecenas” que compram arte com dinheiro dos outros

A pintora Graça Morais lamentou hoje a falta de mecenas da Cultura em Portugal, e criticou “os falsos” que compram arte com o dinheiro dos outros e enriquecem a “roubar o país”.

Em entrevista à Lusa, a artista disse que gostava de ver em Portugal o exemplo de outros países onde os ricos financiam as artes, mas considera que o que se vê é “infelizmente a quantidade de bandidos, que não têm outro termo, que têm roubado o país e que não criam riqueza, só acumulam para eles”.

No entender da pintora, que está em Bragança a preparar a próxima exposição, o que Portugal tem é “falsos mecenas que compram arte com dinheiro que nos pertence”, o que a leva a concluir que “muitos dos problemas do nosso mundo” resultam de as pessoas se terem tornado “demasiado ambiciosas”.

“Ser rico não é defeito, agora estes bandidos que enriqueceram e que colocaram o dinheiro não sei aonde e roubaram o país e roubam-nos a nós todos os dias, que temos de pagar estes impostos violentos, isso só mostra que há pessoas que perderam a cabeça”, acrescentou.

Graça Morais aponta exceções como o empresário Rui Nabeiro, que disse admirar “imenso, porque é um homem que nasceu pobre, foi enriquecendo, mas criou riqueza para a comunidade e para o país”.

No mecenato ressalvou também o exemplo de alguns bancos, mas reiterou que a situação portuguesa está longe do que “se passa, por exemplo, em França e na América, onde há pessoas que sentem que têm que oferecer à comunidade”.

Entendem, como destacou, que “parte da riqueza deve ser para oferecer à comunidade e essa oferta muitas vezes é feita para ajudar as pessoas mais pobres, mas também para a arte, porque sabem a importância da arte no mundo porque a arte é que fica”.

“Nós não temos mecenas em Portugal”, insistiu, lamentando também que simultaneamente o país tenha “um Ministério da Cultura com um investimento também muito reduzido em arte”.

Graça Morais vai mostrar trabalhos inéditos na primeira exposição depois da pandemia, com inauguração marcada para sexta-feira, no Centro de Arte Contemporânea de Bragança

 

Entrevista de Helena Fidalgo, da agência Lusa, Fotografia: António Pereira



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