Aline Schiltz conviveu sempre com portugueses, fosse durante o percurso escolar, ou pelos seus amigos de ascendência portuguesa. Mas foi um trabalho de fim de licenciatura que a aproximou verdadeiramente de Portugal e da comunidade portuguesa que vive no seu país.

O tema centrou-se nas migrações entre Portugal e o Luxemburgo e abriu as portas a uma estadia em Portugal que se prolongou pelo mestrado, feito na Faculdade de Letras de Lisboa. Atualmente está a concluir um doutoramento, cuja tese são as relações politicas e sociais entre Portugal e o Luxemburgo. Pelo meio, realizou um estudo sobre «A segunda geração de portugueses no Luxemburgo» e diz que muita coisa mudou desde a primeira vaga de emigração portuguesa para o seu país…

Professora de Ciências Políticas na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade do Luxemburgo, Aline Schiltz, 31 anos, licenciou-se em Geografia, na Universidade de Bruxelas, Bélgica, e decidiu fazer o trabalho de fim de estudos centrado nas migrações entre Portugal e o Grão-Ducado.

O tema foi em grande parte desenvolvido em Portugal, onde em 2003 passou oito meses ao abrigo do programa Erasmus, e levou-a aos recônditos de Trás-os-Montes. “Fiz um trabalho sobre Fiolhoso, uma pequena aldeia no concelho de Murça, que é considerada a aldeia mais «luxemburguesa» de Portugal, onde as pessoas estão entre as primeiras a ir para o Luxemburgo e onde ainda há muita gente entre lá e cá. Fui lá e vi que era um bom local para centrar o meu trabalho, faz parte de um Portugal profundo que me fascina”, explicou numa entrevista a O Emigrante/Mundo Português.

Aquele período marcou a professora universitária e foi um momento de viragem na aproximação ao país de alguns dos seus amigos, já que ao conhecer in loco os portugueses e a sua cultura, começou “verdadeiramente a viver Portugal”. Tanto que um ano depois estava de regresso, desta vez para frequentar o mestrado em «Geografia Humana - Exclusão, Sociedade e Território», na Faculdade de Letras de Lisboa. “Tive sempre colegas na escola e amigos portugueses, mas não tinha nenhum conhecimento do país”, recorda.
Foram quase quatro anos a viver entre Lisboa e o Luxemburgo, para onde regressou depois de concluir o mestrado. Mas não por muito tempo. Depois de um período fora da Universidade do Luxemburgo, decidiu regressa para fazer o doutoramento em Ciências Políticas. O tema que escolheu, trouxe-a novamente a Portugal e à análise do contexto político e social entre os dois países.

Com o doutoramento ainda por concluir, Aline Schiltz decidiu em 2011 realizar um estudo sobre a segunda geração de portugueses no Luxemburgo, que apresentou em Setembro desse ano durante a 16ª Conferência Internacional Metrópolis, um evento sobre as migrações a nível mundial, realizado nos Açores.

O trabalho de fim de curso, que a levou até Fiolhoso, marcou o início desta relação com Portugal?
Sim, o trabalho correu bem, mas o mais importante foi poder conhecer Portugal, as histórias das pessoas e tudo o que viveram. Falei sobretudo com pessoas que foram para o Luxemburgo nos anos 60, 70 e também com pessoas que estiveram ligadas ao recrutamento e à chegada dos portugueses. Para mim foi uma experiência muito importante porque cresci num país onde há muitos portugueses. No Luxemburgo há tantos portugueses, são já uma comunidade bastante visível, mas ao mesmo tempo invisível. Se calhar, por fazer o Erasmus cá, realizar aquele trabalho e falar com aquelas pessoas, o tema da emigração portuguesa para o Luxemburgo acabou por se tornar um assunto muito pessoal. Para mim, essa etapa foi muito importante.

E o doutoramento levou-a a regressar?
Achei que a questão das migrações entre o Luxemburgo e Portugal ainda era desconhecida, ainda havia muita coisa a fazer. O tema gira à volta da mobilidade e o desenvolvimento através da análise do contexto político e social entre os dois países. A minha vontade era voltar a estudar o que se passa entre dos dois países, qual o impacto económico e social, que as migrações têm em Portugal e no Luxemburgo e que criou afinal esta relação muito forte entre os dois países.
Porque o Luxemburgo tem uma percentagem tão grande de portugueses há tanto tempo, que há muita coisa a dizer. E em Portugal a emigração foi também um tema pouco estudado. Houve um estudo muito interessante, nos anos 80, que referia que a emigração tinha parado, porque Portugal iria integrar a Comunidade Europeia e as pessoas iam regressar e questionava como o país iria fazer para acolher essas pessoas. Mas depois disto, nos anos 90, houve pouca informação. No Norte, a vida segue ao ritmo da emigração e ninguém fala disso. Por isso tive a «ambição» de mostrar esse fenómeno e por outro lado, fazer um estudo sobre a presença portuguesa no Luxemburgo, que não tem nada a ver com a emigração portuguesa para outros países.
Em Fiolhoso, quando fiz o trabalho de licenciatura, disseram-me que se não encontram trabalho no concelho nem vão tentar noutra região de Portugal. Vão logo ver se um tio, um conhecido no Luxemburgo pode arranjar trabalho. Para essa comunidade, parece que o Luxemburgo está mais perto do que Portugal.

Para a tese de doutoramento, estudou outro caso parecido com Fiolhoso…
Sim, estou a trabalhar noutro caso-estudo: Mortágua, no distrito de Viseu. É um caso bastante interessante em vários aspetos. Mortágua tem uma geminação com uma vila do Luxemburgo e há bastantes atividades entre as duas vilas. Por exemplo, os bombeiros de Mortágua já receberam ambulâncias dos bombeiros do Luxemburgo, há delegações de Mortágua que vão a festas ao Luxemburgo, como a festa das Tasquinhas, em Agosto. Os emigrantes realizam uma ação muito importante nas relações entre os dois países, e que o Estado português deveria ter em conta.

Quando é que começou a emigração portuguesa para o Luxemburgo?
Começou nos anos 60 e no início dos anos 70 era já a maior comunidade de estrangeiros no país. Sobre isso há poucos trabalhos feitos, são pontuais, sobretudo na área da educação. Ainda falta muita informação, mesmo para perceber o fenómeno em si. Porque dos anos 60 e 70 até hoje, há muitas coisas que mudaram. Foi uma emigração anterior ao 25 de Abril, à entrada na Comunidade Europeia e o Luxemburgo também mudou muito.
São atualmente quase 18 por cento da população, estão espalhados por todo o país, já há gerações de filhos e todos os anos continua a haver uma nova vaga de emigração portuguesa. Todas as semanas há uma ida e vinda de carrinhas.

Nas pesquisas que fez, percebeu se há uma nova vaga de emigração portuguesa para o Luxemburgo?
Há muita gente a ir, sobretudo nos últimos três anos, e com um perfil muito variado. Por exemplo, tenho dois colegas da Universidade Clássica de Lisboa que estão no Luxemburgo. Há muitos diplomados, qualificados, mas também há muitos não qualificados. A crise é menos forte do que cá, mas também existe. O país mantém a mesma política de imigração, continua a acolher pessoas, mas por necessidade demográfica: precisa crescer em termos de população, os luxemburgueses têm poucos filhos. Mas uma pessoa que vive cá, com o salário mínimo que não chega a 500 euros, vê que no Luxemburgo esse mesmo salário é e 1.700 euros, claro que quer ir. Mas há muitas pessoas que chegam e só falam inglês, já não falam francês e que vão ter dificuldades em encontrar trabalho. As rendas são altíssimas, por exemplo, um quarto numa casa partilhada custa entre 400 e 600 euros e há portugueses que chegam com filhos. Há pessoas que chegam ao fim do mês a contar os cêntimos.

O estudo que elaborou sobre a segunda geração de portugueses no Luxemburgo, integra a tese de doutoramento?
O estudo foi realizado fora da tese, mas reúne muita informação interessante para ela. O problema da minha tese é o facto de ser um tema muito vasto, que engloba muitas facetas. O estudo sobre «A segunda geração de portugueses no Luxemburgo», que apresentei nos Açores em setembro, na Conferencia Internacional Metrópolis foi feito de propósito para a conferência. Elaborei um questionário que enviei por e-mail a várias associações portuguesas e a amigos portugueses no Luxemburgo. Consegui bastantes respostas, reuni um perfil de pessoas variadas, de várias localidades do país. A maioria das respostas foi de pessoas que chegaram nos anos 70 e 80, quando tinham entre dois e seis anos de idade, e outros que já nasceram lá.
Perguntei a naturalidade, a origem da família em Portugal, àqueles que não nasceram lá perguntei a data de chegada ao Luxemburgo, se tinham irmão, quantos e onde nasceram, a profissão dos pais, se passam as férias em Portugal, onde, e que meio de transporte utilizam, qual a relação com Portugal, qual a imagem que têm de Portugal. Em relação ao Luxemburgo perguntei se sentem-se em casa lá, se já se sentiram discriminados, qual o percurso escolar e se frequentaram a escola portuguesa, quais as línguas que usam mais, com a família, os amigos e os colegas de trabalho. Essa foi uma pergunta interessante para perceber se falam também o luxemburguês (além do francês e o alemão) e descobri que os portugueses são mestres em saltar de uma língua para outra e usar um pouco as três línguas. Mas a língua com que se identificam mais ainda é o português.
É engraçado porque hoje em dia, quando vou ao Luxemburgo, também «salto» de uma língua para outra, porque posso usar o francês, o luxemburguês e o português. Não é intencional, é natural.

Que resultados obteve com este estudo?
Há casos tão diferentes. Há pessoas que nasceram no Luxemburgo e sentem-se cem por cento portugueses e outras que têm uma grande ligação com Portugal, mas já não estão tão interessados em vir todos os verões. Depois, há aqueles que mantêm a ligação a Portugal mas mais com Lisboa ou Porto e não tanto com a aldeia dos pais, apesar de manterem o interesse sobre o que se passa em Portugal. Mas depois, quando perguntei se votam para as eleições em Portugal, quase nenhum disse que sim. Perguntei também se ter a dupla nacionalidade - que foi possível a partir de 2009 - era muito importante e as respostas foram 50/50 por cento.
E conheço pessoas que sempre tiveram o objetivo de voltar, tentaram trabalhar aqui, mas depois deram-se conta de que gostam de Portugal mas não estão habituados a viver com o «sistema» de cá.
No fundo, este estudo veio confirmar as ideias que já tinha. Há uma forte ligação com Portugal, sobretudo emotiva. Vivem no Luxemburgo, querem integrar-se, é a sua casa, mas os estereótipos ainda estão presentes. A segunda geração de portugueses no Luxemburgo ainda vive entre as duas culturas e sociedades, apesar de menos do que há dez anos atrás. Vejo pessoas que, para mim são mais luxemburgueses do que eu, vivem lá e querem lá viver, mas ainda sentem esta estigmatização, esta classificação. E a maior das pessoas que responderam têm um diploma, um bom trabalho.
Fala-se muito dos problemas de aprendizagem na escola, é verdade. Mas também há pessoas que conseguiram fazer o seu caminho e estão bem e não se fala nisso. É preciso parar com os estereótipos, com a imagem de insucesso na escola, não ajuda nada.

Não ajuda à integração…
A palavra «integrar» é para mim complexa. O que é integrar? De toda a maneira, há muita coisa que mudou, todo o contexto mudou e não podemos ficar com as ideias dos anos 70. O comportamento mudou. Naquela altura, as pessoas saíram de Portugal porque não tinham quase nada, foram sobretudo para poderem construir uma casa cá. Hoje em dia, quem vai para fazer uma casa em Portugal, se aqui também é cara, e para quê? Não, vão fazê-la lá, porque já têm essa liberdade, de circulação, de decisão, e as distâncias entre os dois países reduziram-se.
Vejo hoje em dia as crianças muito mais misturadas, a falar português mas também luxemburguês e vejo pequenos luxemburgueses a falar palavras em português. Quando vejo o Facebook de adolescentes luxemburgueses que conheço, lá estão os amigos com sobrenomes portugueses. Os portugueses da minha geração são luxemburgueses.
Ana Grácio Pinto
[email protected]



PARTILHAR:

Debate O futuro do Vale do Tua

De 18 a 21 de fevereiro