Manuel Igreja

Manuel Igreja

A Comunicação, a Demagogia e a Ignorância

Comunicar é essencial. Todo e qualquer ser vivo, comunica. Pode passar que não, mas as plantas comunicam entre si, digo eu com um mero abanar de folhas, os animais irracionais comunicam entre si na linguagem lá deles, e nós, os humanos, animais racionais, comunicamos com os olhares, com as palavras e com os gestos. Com a mente, ainda não, mas há quem diga que para lá caminhamos. A ver vamos, como diz o cego.

Mas cingindo-me a nós pois é o que aqui me traz neste desenhar de letras redondas na folha que as aguarda como se fossem pão para a boca. No nosso devir, fomos evoluindo desde os grunhidos até ao palavreado superiormente elaborado, devido às necessidades mais básicas, mas também devido às circunstâncias que levam à conquita do poder, do ser e do ter.

As palavras escorreitas e com maior ou menor sentido desde que nos temos por nós, são uma arma. Para o bem ou para o mal, para agradar ou para maltratar. Para conquistar ou para se perder. Para enquadrar, para ensinar e para aprender, para manipular, para vencer e para derrotar, para dizer do amor e do odiar. Do estar e do esperar.

Desde que a sociedade se organizou e institui líderes, a palavra virou uma arma para convencer e para fazer obedecer, para aconselhar ou ditar comportamentos e atitudes, para fazer lei e para fazer a paz e a guerra. No antes da Idade Contemporânea, o carisma dos líderes, advinha em boa parte da maneira como ele comunicava e se impunha com o complemento das armas, frequentemente com meio caminho andado por via do nascimento e consequente herança de título.

Depois e agora, as circunstâncias foram-se alterando. A tecnologia foi evoluindo e surgiram espantosas maneira de comunicar. Na primeira década do século XX, apareceu a rádio, para uso de muitos e para gaudio de todos. Se até aí os reis e imperadores, os generais mais importantes podiam somente discursar perante milhares de pessoas sucessivamente no mesmo local, agora era possível fazê-lo perante milhões ao mesmo tempo distanciados entre si no espaço alargado.

Desde logo os demagogos se aperceberam do potencial. Passou a ser muito mais fácil passar a mensagem trabalhada, amassada e atirada como bolos a tolos. Fizeram da rádio que se espalhou por todas as casas, uma eficaz arma de conquista. Mussolini e Hitler foram exímios mestres no por essa via espalhar o ódio ao outro, ao diferente e ao tido como menor. A rádio foi-lhes alavanca para abrirem as portas do inferno.

Como neste nosso tempo, a nova tecnologia, abriu e possibilitou coisas novas, quase infindas no contexto temporal, sem regras e sem tino. Comunicar passou muito mais a ser manipular do que informar. Passou a ser muito mais uma mera, mas complexa forma de dizer pouco com muitas palavras. Infeliz e frequentemente, comunicar passou a ser também uma forma de se embrutecer, de se fazer esquecer o que se aprendeu e de fazer da ignorância granjeada e espalhada uma imparável arma de manipulação.

Como antes, mas agora pior, porque campeiam as verdades individualmente tidas como absolutas. Os demagogos acicatam-nos e desinquietam-nos utilizando as tecnologias próprias de pequenos deuses que ainda sem regras, dão proveito aos grandes demónios. Induzem comportamentos e anseios através delas cristalizando e quase matando o poder crítico que faz opinião tida e sentida.

Neste supremo tempo de paradoxos, recebemos e enviamos mensagens em catadupa, mas que nem água na areia da praia, nada fica. Pouco comunicamos porque não olhamos olhos nos olhos, pouco damos ou recebemos afagos que sempre são um mar de comunicação, desprendemos a ouvir o que as palavras não dizem, mas convencemo-nos que sabemos tudo.

Com o seu imenso jeito para transformar o que é ótimo, em coisa vulgar ou mais prejudicial que benéfica, a humanidade que temos está a ir na onda levantada pelos sopros da demagogia.

Resta-nos a esperança de saber que há sempre quem resista e saiba identificar os acordes trazidos nas trovas do vento que passa.



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