Teresa A. Ferreira
Casino: 2º
A Gabi frequentava o curso superior de Línguas e Relações Internacionais na UTAD em Vila Real, onde residia com mais três amigas, rumando a casa dos pais nos fins de semana. A liberdade que conquistara, pela entrada na Faculdade, não estava a ser bem gerida. Faltava às aulas da manhã, andava nos bares à noite e estudar que era bom… nem pensar. Mudava de namorado como quem troca de roupa, numa inconstância avassaladora. Se durante a semana era useira e vezeira das saídas noturnas, nos fins de semana a borga continuava. Destruía a mesada em três tempos. Agora, a curiosidade estava mesmo a matar o gato – o casino.
Aperaltou-se da cabeça aos pés: vestido preto, curto e justo ao corpo; casaco comprido vermelho; sapato vermelho de verniz com salto alto de agulha; pochete vermelha; penteada a preceito; e com a maquilhagem a condizer. Pediu reforço da mesada à mãe com a desculpa de que tinha gastado muito dinheiro em livros – tretas, só tretas, e ela tão boa atriz - e voou no carro para recolher as amigas.
Começou pelas “slots machines”, jogando pequenas quantias. Não lhe saia nada, a sorte não a bafejava, mas não parou – era teimosa como uma mula sem cabeça e estava cheia de fé de que lhe ia sair um valente prémio. Quando se deu conta tinha a conta bancária a zeros. Restava-lhe uma nota de 50 euros que a mãe lhe dera e guardara de lado. Ficou num impasse sem saber o que fazer. Por um lado, queria continuar a jogar, por outro sabia que não tinha combustível para regressar a casa e precisava do dinheiro para comer alguma coisa. O dilema toldava-lhe o pensamento. Uma súbita ansiedade tolhera-lhe o raciocínio. Queimou os 50 euros.
Não comeu nada, não tinha dinheiro para abastecer o carro e as amigas – Joana e Leonor - estavam em igual circunstância. Sentia-se perdida e não sabia o que fazer. Até que o desespero lhe invadiu o rosto. Ficou com o semblante carregado e pesaroso.
Um homem, daqueles bem vividos, tudo observava. Aproximou-se dela de mansinho e abordou-a com conversa mole. Ofereceu-lhe uma bebida, a seguir outra, muita conversa e risadas soltas, até que a convidou para subir ao quarto dele. Aí a Gabi arregalou os olhos e parou. Ele tinha à sua frente uma nota de 100 euros. O danado do sabidão, com muito mel e patuá, convenceu-a a aceitar. Subiram ao quarto onde a Gabi mostrou o que aprendera com os colegas da Faculdade. Era pouco para ele, homem que conhecia o Kamasutra de cor e salteado e mais uns quantos livros de que não me ocorre o nome.
Quando se deu por satisfeito, despejou a rapariga no corredor, não sem antes lhe dar umas valentes palmadas no traseiro e chamar-lhe cabra.
A Gabi estava atordoada com toda a situação em que se deixara envolver. Chorava copiosamente em silêncio e não conseguia caminhar. Por ali ficou uns bons minutos até se recompor e depois desceu ao bar.
Pediu às amigas para regressarem. Parou na bomba de combustível, abasteceu e comprou um chocolate.
Nada disse. Sentia-se suja e perturbada. Não queria acreditar até onde fora capaz de descer.
Chegou a casa noite alta, os pais já dormiam, meteu-se debaixo do chuveiro e chorou, chorou lágrimas de sangue. Sentiu que tinha perdido o controle e não queria acreditar no que lhe aconteceu. O dinheiro que recebera sabia-lhe a fel. Tinha o estômago às voltas e não se aguentou. Correu para a sanita e vomitou. Estava um farrapo, tão longe da menina que os pais, com todos os desvelos, educaram e criaram. Sentia-se envergonhada e revoltada. Não encontrava adjetivos para classificar tal situação.
Deitou-se sobre a cama olhando fixamente o teto. As lágrimas banhavam-lhe o rosto branco e pálido, duma alvura impressionante. Acabou por adormecer.
Na manhã seguinte a mãe bateu-lhe à porta do quarto para a acordar. Estava com tamanha dor de cabeça, latejante e lancinante… uma brutal enxaqueca.
Pediu à mãe um comprimido para as dores de cabeça e que lhe fizesse um chá.
A mãe, assim que lhe viu as nódoas negras nos braços e o estado em que a sua Gabi estava, ficou em sobressalto. Correu à cozinha para pôr o chá a fazer e foi buscar um comprimido forte para as dores. O seu coração batia numa cadência vertiginosa de aflição de mãe. Foi levar o chá e o medicamento à filha e tentou fazer algumas perguntas, perguntas que ficaram sem resposta.
Gabi emudecera o resto do fim de semana, mal saiu do quarto, mal se alimentou, mal conseguia olhar para os pais…. Apenas pedira que a deixassem só, que não lhe fizessem perguntas, que estava com muitas dores…
Este pedido deixava os pais ainda mais preocupados com a situação, impotentes por não poderem fazer mais nada, além de esperarem que ela quisesse falar.
(Continua…)
© Teresa do Amparo Ferreira, 13-03-2024
𝙉𝙖𝙩𝙪𝙧𝙖𝙡 𝙙𝙚 𝙏𝙤𝙧𝙧𝙚 𝙙𝙚 𝘿𝙤𝙣𝙖 𝘾𝙝𝙖𝙢𝙖,
Mirandela, Bragança, Portugal.