Teresa A. Ferreira

Teresa A. Ferreira

Vindima

Não é a Vindima de Miguel Torga, não, é a da minha casa. Já vos explico tudo.

Os meus pais tinham uma vinha na Abelheira, isto é, junto à estrada que vai de Torre de Dona Chama para Bragança. Ficava no cimo de uma reta, do lado direito, um pouco antes de chegar a Vila Nova da Rainha, a primeira localidade que se encontra mal se sai da Torre.

Esta vinha, com pouco mais de meio hectare, além das uvas também estava debruada com árvores de fruto e tinha um poço para rega. As cerejas grandes e carnudas, nunca lhe senti o sabor. Os transeuntes e os pássaros davam conta delas e ainda tinham o desplante de deixar os caroços e os pés no chão, junto à árvore. Consolavam o estômago sem preocupações de maior.

Todos os anos, em meados de setembro, fazia-se a vindima com gente de casa e algumas pessoas amigas dos meus pais. Lembro-me de participar nestas lides a partir dos 14 anos.

Para começar, a função corria mal para o meu lado – tinha de me levantar cedo e era um tormento saltar da cama quando o sol mal se espreguiçava. Depois…enchendo o peito de coragem…contava até três e zás…estava de pé. Vestia uma roupa velha, passava água no rosto – pior do que os gatos -, metia um pedaço de pão com queijo à boca, beberricava uma caneca de leite e ala que se faz tarde. Tinha de ir com alguém de carro ou então levar a minha moto.

Chegada à vinha, dava de caras com uma data de gente mais madrugadora do que eu. Cumprimentava toda a gente e pedia instruções para começar a vindimar. Não sei se vos conte…! Era fraca vindimadeira. Depenicava bagos em cada uva que cortava para lhes sentir o sabor e ia perguntando o nome da casta à senhora que me acompanhava do outro lado do valado.

Havia sempre alguém que cantava e puxava pelos outros. Outras vezes contavam anedotas. Era uma animação. Sei que as caras eram sempre as mesmas, de ano para ano.

Certa vez, o meu irmão apanhou do chão um ratinho morto e pegou nele pela ponta da cauda. Procurou-me para…já sabeis! Foi a loucura total. Eu corria e gritava valado acima e valado abaixo procurando alguém que me socorresse e parasse o meu mano. Ao invés disso, todos riam a bom rir. A nossa mãe, cansada da palhaçada, intervinha em meu auxílio. E eu, sem fôlego, caia ao chão sem mais forças. Bebia um copo de água e lá me recompunha.

Retomava a função junto da minha companheira até não haver mais uvas para cortar.

Finda a tarefa, entrava uma das melhores partes da vindima - a merenda que a minha mãe levava. Que riqueza tão especial! Pão de centeio, cozido em forno a lenha, de São Pedro Velho – para mim o melhor pão que há -, salpicão, presunto, queijo, pasteis de bacalhau, salada de bacalhau cru, bolo, azeitonas, vinho, água e sumos. Que manjar! Esta merenda, comida no campo, sabia-me muito melhor do que se fosse em casa.

Sempre gostei de piqueniques, comer no terraço debaixo de uma latada, no quintal, na beira do rio à sombra das árvores, num jardim, numa esplanada etc.

Algumas uvas iam para a Adega de Torre de Dona Chama, as restantes iam para o nosso lagar. Aqui entrava outra fase que me dava imenso prazer – pisar as uvas.

Vestia uns calções, lavava muito bem as pernas e os pés e toca de saltar para dentro do lagar. Estou a ver-me: dedo indicador da mão direita esticado, descendo até ao mosto e num ápice subia até à minha boca – que néctar tão docinho! Este vai e vem do dedo repetia-se por muitas vezes, aqui vos confesso.

Entrava depois um senhor com bastante idade que trazia um alambique para fazer a água-ardente, tarefa que corria de noite e de dia, sem parar.

Quanto ao vinho, seguia para as pipas para consumo doméstico e venda a alguns amigos.

Nunca bebi vinho em casa dos meus pais, mas eles bebiam um pequeno copo à refeição – não podia ser muito porque atingia os 15º. Ainda hoje não bebo vinho.

Esta alegre vindima durou pouco - só até aos meus vinte anos - altura em que a minha mãe partiu e o meu pai desfez-se da vinha.

Vendeu-se à minha prima Edite, que cuida dela com todo o zelo. Melhor assim.


© Teresa do Amparo Ferreira, 11-09-2024
    𝙉𝙖𝙩𝙪𝙧𝙖𝙡 𝙙𝙚 𝙏𝙤𝙧𝙧𝙚 𝙙𝙚 𝘿𝙤𝙣𝙖 𝘾𝙝𝙖𝙢𝙖,
    Mirandela, Bragança, Portugal.

Foto: © Carlos Pires - São Pedro Velho, Mirandela




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