Manuel Igreja

Manuel Igreja

Lavoura: A falta que faz, uma Organização de Classe

Quem esteja minimamente atento ao estado das coisas na viticultura da região do Douro, facilmente se apercebe que a porca já torceu o rabo e que nada de auspicioso se avizinha nos tempos mais imediatos. Como estar-se vivo, pode dizer-se que um dia isto acaba mal.

Nada custa acreditara mesmo, que estaremos perante o princípio do fim da realidade que de há séculos conhecemos e que a meio prazo no sentido de mais uma meia dúzia de vindimas, tudo se irá apresentar de outra forma não necessariamente melhor em termos sociais e económicos.

Com toda a justiça se pode dizer que uns poucos se estão a interessar muito para que se encontre uma solução mais imediata para o que está por acontecer na vindima que se avizinha, tal é a urgência da situação, mas quase ninguém se preocupa em raciocinar com clarividência de modo a que se desenhe o nosso lugar no futuro.

Quem for de cá e não andar só a ver passar os comboios ou somente preocupado com o melhor vinho do mundo que é o que tem guardado na sua respetiva adega e mais com o mais belo rótulo de todos que é o das suas garrafas, sabe bem o que se passou durante as últimas três décadas.

Sabe que até houve um tempo em que o bastava coçar-se a barriga ou com tédio palitar os dentes depois da merenda, para que as coisas fluíssem com receita que bastava e sobrava para os gastos. Sabe também e nada se importou que tudo mudou e que a Lavoura ficou sem tapete.

A respetiva organização de classe no sentido em que a defendia, ainda que sem que houvesse sentido de pertença, foi extinta num processo comatoso que durou mais de vinte anos com peças e peripécias dignas de uma ópera bufa e de uma comédia brejeira que só não dá para rir porque mexendo com algo muito sério dá mais para chorar.

Como não podia deixar de ser, instalou-se a rebaldaria e uma total ausência de massa crítica unida e eficaz. Os poucos que se organizaram passaram mais tempo a digladiar-se do que a fazer-se ouvir e respeitar. Nada me custa acreditar que na última meia dúzia de anos alguns fizeram alguma coisa, mas de pouco ou nada adiantou.

Vai daí pois então que, como no ano passado, chegamos ao ponto do calendário em que se anuncia e decide qual o quantitativo de mosto a ser beneficiado para vir a dar em vinho generoso, e caiu o Carmo e a Trindade. A quantidade foi reduzida, digo eu, e bem, mas porque o quadro de raciocínio ainda faz uma ligação direta entre o número de pipas e o retorno garantido, logo se arrepiaram os cabelos e se afloraram as emoções que provocam dores de barriga.

Por estes dias no Douro, a lua anda coberta por nuvens negras, porque a colheita se adivinha farta, motivo de muito regozijo noutros tempos, mas as cubas estão cheias e não há quem queira boa parte das uvas. Vendeu-se menos por razões que davam para fazer um compêndio elucidativo sobre o que se não pode fazer em economia seja em que setor for.

Também se sabe que se venderam milhões de litros de vinho vindo de fora ao desbarato, mas vendido com excelente margem, umas vezes dentro da legalidade total, outras nem por isso. Alguém fez, alguém permitiu, e alguém aproveitou a bom aproveitar.

Como se andássemos a apanhar cerejas, todos assobiamos todo o tempo como se o tema não precisasse de toda a atenção. A realidade no Douro não é comumente sentida porque cada qual unicamente se preocupa com a sua. Não circula informação, não existe por onde ela fluir. Não existe um local, um adro, mal comparado, onde se troquem e se criem ideias a concretizar e medidas a exigir.

Quando houver uma eficiente organização de classe como existe nos outros setores comerciais e empresariais, as pessoas racionarão sabendo que menos quantidade pode ser mais qualidade e melhor preço, saberão onde, quando e quem, faz candonga ou coisas pouco recomendáveis e pouco ajuizadas, e saberão que a união faz a força.

Saberão ser e como rentabilizar o que tão bem sabem fazer vendo o caminho a seguir num mundo em que está tudo inventado. É só fazer como fazem os melhores.

 E pronto, para me ir e para deixar vossemecês irem à vossa vida que se faz tarde, volto ao título, pedindo que releiam e concluam o que lhes aprouver.



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