Manuel Igreja
O Douro neste ponto
Existem vários tipos de pontos. O ponto cruz que é feito com linhas e fio de tecido, o ponto de encontro e o ponto a que o Douro vinhateiro chegou, para anos ficarmos por aqui para não nos alongarmos que se faz tarde e este último é onde quero chegar para vossemecês verem e refletirem, pois saberem já o sabem e já o sentem há bastante tempo.
No que concerne às folhas dos calendários que se viram rapidamente e com o tempo a pintalgar-nos de cinzento os cabelos enquanto os temos, vai o junho no seu meio com o outono em teimar em não ceder a vez à primavera e com alguns dias com o verão a chegar destemperado como a querer mostrar que também manda.
Nas vinhas nada tarda o pintor nas uvas que se estão a fazer lindas e mimosas à custa de muitos tratamentos e de muitas canseiras.
Pelo que se diz, por sua vez nos armazéns é um mar de vinho porque as cubas estão cheias e perigosamente não há onde se meter boa parte do vinho que se há-de fazer na boa vindima que se adivinha e se avizinha se o clima não desandar.
Não se vendeu convenientemente em preço e em quantidade o vinho em mãos e compraram-se milhares de pipas noutras regiões e no estrangeiro ao preço da uva mijona para gaudio de uns poucos que ganharam a bom ganhar num negócio de lana-caprina e sem rei nem roque.
Nada custa a acreditar que se não vendeu mais, porque não se soube e não se sabe competir no mercado com as atitudes e com as estratégias devidamente planeadas e adequadas aos tempos modernos, em que se exige escala, planeamento, gestão e organização, mas a massa do nosso sangue e a estrutura da nossa mentalidade dificulta e impede a partilha de medidas e de conceitos devido aos muitos preconceitos.
Por tudo isto e mais alguma coisa, o Douro está a chegar ao ponto de anunciado descalabro que bem pode vir a ser o princípio do fim por falta de meios para continuar o embelezamento da paisagem feita de vinhedos em que escorre muito suor mais por amor ao que se tem do que por finto nos lucros que se obtêm da atividade económica que se desenvolve, quando é o caso, pois bem sabemos que para muitos mais é um cuidar de jardins suspensos nos terrenos , na saudade e na mentalidade.
Estamos pois então, num ponto que nem vos conto, mas que se tem vindo a desenhar e a perspetivar. Não foi num repente. Em muito boa gente grassa o desassossego e dão-se-lhe voltas na barriga. Com desespero, olham para as uvas e temem que boa parte delas jamais venham a dar em vinho. Sentem e sabem que ninguém as vais querer por falta de necessidade delas.
Entretanto, tardiamente como não pode deixar de ser, porque sempre se espera que outros arranjem soluções efetivas e administrativas, ouve-se falar de regras que limitam a produção por hectare que vão causar efeitos diferentes no territórios porque são iguais em toda a parte, ouve-se falar em deitarem uvas ainda não maduras para o chão para que não vinguem até ao fim, e ouve-se falar na queima de milhares de pipas de vinho, cerca de cinquenta mil, porque são excedentes e podem dar uma excelente aguardente para fortificação de mostos de vinho generoso.
Pelo que ouço, sei que é este o ponto em que estamos. Não sei como se calhar ninguém sabe o ponto onde chegaremos nos tempos imediatamente próximos para nem ir aos de mais tarde nos anos. Mas sei que não podemos continuar no ponto em que iremos ver como os cegos que somos.
O Douro e o ponto a que chegou não se recomenda. Podem sobrar recomendações turísticas e de vinhos a provar e a se mostrar, mas não basta. Urge que se atinja o ponto em que se concluí inequivocamente o que se fazer. Não os outros por nós, mas nós por cada qual, logo por todos, pois o ponto da encruzilhada onde aparecem as bruxas é comum neste tecido que bordamos em ponto cruz.