Luis Ferreira

Luis Ferreira

Os cortes que ninguém quer

Já todos estamos fartos de ouvir constantemente falar de crise e da necessidade de continuarmos a cumprir religiosamente o que nos impõe quem de nós espera o pagamento devido do que em tempos pedimos para enriquecer o ego de cada um, especialmente dos que mandavam. A verdade é que ninguém se queixou enquanto viu o seu salário aumentado e o nível de vida melhorado. Todos aceitámos de bom grado os benefícios que nos foram dando e não questionámos as razões de tais dádivas, muito embora alguém sempre fosse dizendo que ninguém dá nada sem querer receber algo em troca. Pois!
Ao longo dos últimos quinze anos habituámo-nos a receber aumentos de acordo com a inflação, quer nos salários, quer nas reformas e, aos poucos, fomos exigindo que o salário mínimo fosse acompanhando paulatinamente, esse ajustamento. E assim foi.
Não significa isto que todos estivessem contentes ou que não houvesse sectores em desacordo. Não é fácil agradar a todos e por isso mesmo, também houve greves, manifestações e protestos em vários ministérios. Mas eram questões mais funcionais as que se discutiam e eram objecto de protestos.
Contrariamente ao que é previsível, tanta fartura deu afinal em pobreza! Na verdade, a fartura não foi suficiente para erigir as infra-estruturas necessárias a uma economia sustentável.
Hoje, como a economia está de rastos e o governo precisa de dinheiro para pagar o que prometeu e o que se deve, começaram os cortes em tudo o que é possível. Nos últimos dois anos foi uma razia de tal forma que levou à falência, não só de empresas, mas também de famílias que viram todas as suas esperanças frustradas.
Com uma Segurança Social que cada vez menos é sustentável na sua garantia de continuar a pagar reformas e pensões, não nos surpreende que se tente mexer no valor de algumas reformas e pensões para minimizar os gastos e dilatar o prazo de sustentabilidade. Será que nos esquecemos de quem jogou o dinheiro da Segurança Social em Bolsa? Pois é!
Mas seja como for, os cortes aí estão e são deveras cegos. Cortes nas pensões, nas reformas e nos salários dos funcionários públicos. São sempre os mesmos a pagar. No entanto, não se percebe por que é que quem descontou toda uma vida de trabalho, vê agora a sua reforma cortada, subvertendo todos os princípios formais e legais estatuídos na altura em que celebrou um contrato com o Estado. Menos coerente é o facto de quem está reformado, continuar a ver no valor da sua reforma, um desconto para a Caixa Geral de Aposentações. Então os reformados continuam a pagar a sua própria reforma? Isto não será um roubo? Então ao fim de quase quarenta anos de descontos para se ter direito a uma reforma, continua a ser descontado o mesmo valor de quando se trabalhava? Até que ponto isto será legal? Sob que pretexto será justificado tal desconto?
Sabemos bem que o Estado não tem dinheiro para aguentar o pagamento continuado de uma dívida que alguém contraiu em nome, não se sabe bem de quê, mas nada pode justificar o corte cego de algumas rubricas, nomeadamente pensões e reformas de quem trabalhou toda a vida. Penso que estão a faltar ao governo soluções para arranjar dinheiro para pagar a dívida, mas porque não começam a cortar nos salários dos altos funcionários ou até mesmo nos funcionários que pululam nos ministérios e que são absolutamente desnecessários? Acabem, com as mordomias a que se habituaram e sejam mais austeros consigo próprios e deixem o povo em paz.
O corte nas reformas que a comunicação social já anda a propalar, pôs em alvoroço os reformados e os sindicatos que não tardaram a vir a terreiro manifestar o seu descontentamento. Adiantam valores que ainda ninguém conhece e atiram farpas em todas as direções na esperança de atingir fortemente alguém do governo. E se uns dizem que os cortes são acima dos 600 euros, logo vêm outros dizer que só serão feitos acima dos 1.500 ou 2.000 euros de reforma. Isto demonstra bem o desconhecimento de tal matéria. E a comunicação social ainda complica mais ao tentar explicar o que efectivamente também desconhece. É só confusão!


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