Luis Ferreira
Sem orgulho e sem preconceitos
Desde sempre, ao longo da História, o poder suscitou as maiores veleidades e atrás delas, grandes atrocidades, arrastando muitos inocentes para um precipício infindável. São muitos os exemplos que a História lembra como aterradores, exemplos de quem, à sombra do poder, praticou atos terríveis e chocantes para toda a humanidade. O poder é deveras um instigador de abusos e corrupções variadas que envergonham qualquer ser humano mais sensível.
Associada ao poder e com grande influência vem a vingança, o ódio, o desprezo. A vingança daqueles que por ódio se vingam, numa atitude desprezível dos que, um dia, os fizeram sofrer por qualquer motivo, válido ou não, mas que eles não esqueceram e juraram retaliações.
Procurar na História exemplos contrários é difícil, mas felizmente alguns elevam-se no meio da multidão que assolou e usou o poder das mais variadas formas. Se o poder corrompe, nem todos foram corrompidos por ele, especialmente os que um dia tiveram o grato prazer de governar e a faculdade de usar o poder para se guindarem ao mais alto patamar.
O exemplo mais marcante e elucidativo vem da História recente: Nelson Mandela. Um homem que lutou contra a opressão, contra o racismo, contra a prepotência de uma maioria branca e que acabou condenado a prisão perpétua por defender a liberdade do seu povo. A África do Sul jamais seria a mesma.
Este homem que ao fim de vinte e sete anos foi libertado por um governo branco e que se tornou o Presidente da África do Sul, tinha todas as razões para se vingar dos que o fizeram sofre durante tanto tempo, por uma culpa que só existia na cabeça dos que o julgaram. Mas não. Ele lutou sempre por uma nação livre, onde brancos e negros pudessem coexistir em harmonia, com igualdade e em liberdade e sempre o disse para que todos acreditassem. Duvidaram todos.
Á frente do seu povo e da sua nação, foi Presidente por um único mandato. Não quis mais. Não exigiu nada e podia tê-lo feito. Ganharia todas as eleições que disputasse, mas não quis. Tinha marcado os pontos necessários quer na sua terra, quer no mundo inteiro. Sem preconceitos, assumiu o poder depois de ser eleito democraticamente e com a maior humildade possível, disse não a mais tempo de poder.
Hoje, no seu leito de morte, descansa ansiando o momento da despedida final perante muitos que o condenaram e muitos mais que o apoiaram. Todos se vergam perante a grandeza deste homem que pertence à História, não só por si, mas pelo que representa para a comunidade internacional.
Os homens medem-se pela sua verticalidade, pela postura, pela humildade com que manuseiam o poder e não pela arrogância com que o usam. Mas para tal é necessário ter sentimentos. Saber sentir o bater do coração, saber distinguir o bem do mal, ter a cultura do poder.
Se Nelson Mandela não tivesse tido esta postura política e cultural durante o tempo do seu governo, hoje não seria notícia nas televisões do mundo inteiro. Se ele se tivesse vingado dos que o acorrentaram durante vinte e sete anos, hoje depois de morto, muitos se regozijariam de finalmente se libertarem dele. Mas este homem não só não se esqueceu dos valores que defendeu antes de ser preso como também não se esqueceu do povo que jurou defender em nome da liberdade. Onde ficou a vingança e o ódio? O seu coração bateu certo e a sua alma era demasiado grande para se apequenar com coisas menores. A igualdade e a liberdade são bem maiores que todas as vinganças e ódios juntos.
Que governante dispensaria mais poder, mais governo, mais riqueza, mais controlo, mais fama? À frente de um dos maiores países do planeta, Mandela disse basta a esse poder. Humildemente, recebeu o Prémio Nobel e com toda a simplicidade, sentou-se no conforto da sua casa, onde ainda poderia usufruir de alguns anos de sossego, longe das coisas mesquinhas como a corrupção, a vingança e os ódios que esse poder fatal acarreta consigo.
A tempo, ele soube dizer não! Com tempo, ele ensinou os que se agarram ao poder como se deve agir quando se aconchegam nessa cadeira imensa. A História falará dele certamente como um estadista que, com dor e resignação mas sem orgulho e sem preconceitos, construiu um país livre onde brancos e negros poderão olhar o futuro de uma forma diferente.