Jorge Nunes

Jorge Nunes

V Congresso Regional. Para quê e como?

No dia 28 de outubro de 2023, a casa de Trás-os-Montes e Alto Douro deu em Mogadouro o primeiro passo para a eventual realização do V Congresso Transmontano, com a ideia de debater a regionalização. Uma preocupação inicial é a da representatividade para a realização de um congresso que se deve agregar de forma representativa toda a região, sabendo-se que a união faz a força!

Temos de compreender qual a razão de ser da realização de um congresso regional, clarificar o caminho a percorrer e como fazê-lo. A concretização de um congresso regional é complexa e exigente, caso se pretenda transformá-lo num momento de união, de atores regionais dos setores de atividade mais representativos, e mobilizar a região para novos desafios. Sempre foi difícil a realização dos congressos regionais, por razões de conjuntura sociopolítico, económica, pessoais ou políticas. Vejamos o que aconteceu nos anteriores congressos e façamos um esforço de aprendizagem para superar dificuldades de cooperação, num momento em que a antiga Província de Trás-os-Montes e Alto Douro se encontra mais desagregada.

O I Congresso Transmontano realizou-se de 7 a 16 de setembro de 1920, sob a responsabilidade do Clube Transmontano. A primeira iniciativa para realização do I Congresso Transmontano, ocorreu no ano de 1916, pelo Dr. Nuno Simões, na altura um jovem de 22 anos e governador civil de Vila Real. Dificuldades relacionadas com a falta de adesão, escassez de recursos e à entrada de Portugal na I Grande Guerra, levaram ao adiamento do Congresso.

O ambiente deste congresso foi marcado pelo fervor regionalista. Na imprensa encontramos títulos como “Transmontanos, todos de pé e por Trás-os-Montes!”, ou “o congresso transmontano foi um verdadeiro trabalho de civilização e progresso … Quando há que tratar e estudar no interesse de todos! Precisamos de procurar na vida regional uma correção aos desmandos do organismo central.”

O II Congresso, realizou-se 21 anos depois, do I Congresso, após duas tentativas falhadas no meio de lutas partidárias, a que se referiu Carlos Sá Alves, nos seguintes termos “Será desta vez? (…) não pode haver dúvidas que desta vez é. E se é, também nós seremos, porque somos bons portugueses e bons transmontanos.” A terceira tentativa de realização do II Congresso, ocorreu a 6 de fevereiro de 1941, em Lisboa, na Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro, em reunião presidida pelo bragançano Domingos Ferreira Deusdado,

Ferreira Deusdado presidiu ao Congresso, afirmando que deveria ser de todos os transmontanos e que tinha como objetivo “… estudar em várias teses as necessidades vitais e urgentes da província para que os seus governadores consigam do poder central a sua imediata realização, aproveitando os trabalhos já apresentados no I Congresso.”

Numa das sessões de propaganda do congresso realizada no Porto, o freixenista, Adriano Rodrigues, catedrático da FEUP, foi vice-reitor e reitor da Universidade do Porto, referiu “… é preciso cuidar das províncias, animar a vida municipal e regional, descentralizar a administração, criar responsabilidades e orgulhos, estimular iniciativas fecundas, não confiando a Lisboa a resolução de tudo.”

A realização do III Congresso foi antecedida de sete tentativas. A primeira ocorreu no ano de 1981, por iniciativa da CTMAD de Lisboa, reuniu em Carrazeda de Ansiães os governadores civis de Bragança, Vila Real e Guarda, a Comissão de Coordenação Regional, as Comissões Regionais de Turismo e outras entidades. A sétima tentativa decorreu em 2000, previa a realização do Congresso em Mirandela, e também fracassou, foram duas décadas, em que o esforço da cidadania foi contaminado pela ambição pessoal e pela interferência político partidária.

No ano de 2002, sob a liderança política, administrativa e financeira da Associação de Municípios de Trás-os-Montes e Alto Douro (AMTAD), decorreu o III Congresso, realizado de 26 a 28 de setembro de 2002, passados 61 anos sobre a realização do II. A Assembleia Intermunicipal votou por unanimidade todas as orientações necessárias à realização do Congresso, que decorreu na cidade de Bragança, local escolhido mediante concurso aberto a todos os 36 municípios associados.

“Rumo à Modernidade” foi o lema do Congresso. Referi, na sessão de abertura, “…trata-se de um congresso voltado para o futuro, e não de um congresso voltado para o passado (…) um congresso de afirmação da cidadania dos transmontanos, a luta pela afirmação e modernidade da região, assente numa estratégia de desenvolvimento sustentado e na convergência de boas vontades pessoais e institucionais”

Amadeu Ferreira na comunicação com o título “Quem Somos”, disse, “Um congresso para que? Para dizer que existimos, certamente, mas sobretudo para dizer que não nos resignamos (…) e este congresso deve ser um grito e não um muro de lamentações.” (…) É altura de o Estado cumprir com Trás-os-Montes e Alto Douro e saldar a sua dívida. Estamos a falar de direitos, não estamos a falar de esmolas. E os direitos exigem-se, não se pedem.” O extrato destas duas intervenções pode muito bem sintetizar a orientação do Congresso.

O IV Congresso Transmontano decorreu nos dias 25 a 27 de maio de 2018, no pavilhão do Conhecimento em Lisboa, sob o lema “Agir no presente, alcançar o futuro”. Foi organizado pela Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro, sem nenhuma entidade da região ligada à organização. Foi também o primeiro que decorreu fora da região, com a justificação de se tratar de terreno neutro sob o ponto de vista político, quebrando a regra dos anteriores: o de ser feito na região e todos foram realizados no mês de setembro. Foi presidido pelo presidente da CTMAD, Dr. Hirondino Isaías.

V Congresso, para quê e como? a reflexão necessária, para o que faço duas considerações prévias, uma sugestão e um apelo, no sentido de serem feitos aperfeiçoamentos à iniciativa da Casa de Trás-os-Montes, no sentido de a iniciativa não fracassar, ou ter pouco interesse para a região.

A primeira, é a de destacar a enorme evolução da região ao longo de um século, em particular após o 25 de Abril de 1974. Hoje dispomos de uma moderna rede de estradas; um bom sistema de saúde pública; instituições de ensino superior, centros de investigação e de tecnologia que são uma âncora do desenvolvimento; uma rede social com respostas em todas as valências; melhores serviços; uma boa rede de equipamentos culturais. Ativos poderosos na luta por um futuro melhor.

A segunda, é a de que, apesar do muito que foi conquistado, nos confrontamos com novas grandes fragilidades e desafios, destaco três:

i) Abalo demográfico, em que, desde a década de sessenta se regista a perda de cerca de 50% da população, com impacto na força de trabalho, na produtividade, na criação de riqueza e na desigualdade intergeracional;

ii) O Centralismo que enfraquece a qualidade das lideranças regionais, nas instituições públicas, nas empresas, no movimento associativo. Acentua assimetrias, o abandono do território, o despovoamento, e o empobrecimento do Interior, que tem perdido representação e voz, no governo, no parlamento e nos partidos, sendo urgente reconquistar o poder da palavra;

 iii) A crise climática que nos confronta com a urgência da transição para a economia verde e do conhecimento, na qual devemos ganhar maior atratividade e competitividade. É necessário acelerar em particular no investimento industrial e agrícola, para a economia do futuro, de mãos dadas com centros de conhecimento, de inovação e de tecnologia, mais avançados e alinhados no combate às alterações climáticas.

Neste contexto, a sugestão é a de que, o V Congresso, possa ter como foco: “Desafios e soluções contra o despovoamento e as alterações climáticas”. O foco da regionalização, no presente não une a região, ainda que o tema deve ser debatido. Nesta nova perspetiva podem caber temas que agreguem todos os atores regionais, como: Reversão do abalo demográfico em TM; Agricultura do futuro e os recursos hídricos na região; Centros de conhecimento e de Tecnologia; Desafios para a descarbonização da economia e a industrialização; A criação da NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro e investimentos territoriais integrados; Regiões Administrativas. Portugal é no conjunto dos países da OCDE, um dos mais centralistas, o que tem menor despesa pública e menor emprego a nível subnacional.

O apelo é de união, à volta de uma iniciativa na qual a região se reveja na preparação, organização, realização e conclusões do Congresso, envolvendo todos os eleitos em particular os presidentes de Câmara Municipal que devem ter uma iniciativa pró-ativa, envolvendo o sistema de ensino e de saúde, a rede social, o setor associativo e empresarial, o setor agrícola e florestal, imprensa e cidadãos, juntos numa Comissão Promotora, que tomará as principais orientações, sendo a execução assegurada por uma Comissão Executiva, seguindo o que foi a solução de organização do III Congresso.

São grandes os desafios, muita a esperança. Caminhamos em frente, no caminho traçado por gerações que nele inscreveram as suas pegadas, aperfeiçoando-o no seu traçado e construção, rumo a um futuro mais seguro e melhor para as gerações vindouras. É oportuno citar um antigo provérbio “Se queres ir depressa vai sozinho, se queres ir longe vai com companhia”.

António Jorge Nunes


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