Luis Ferreira
Afetos quanto baste
Quanto vale um afeto? Muito sem sombra de dúvida. Um afeto é sinónimo de bom entendimento, de bem querer, de pacificação.
Contudo, os afetos não são nem podem ser algo que dá só porque dá jeito ou porque fica bem. Os afetos são demasiado valiosos para se desperdiçarem e os que se dão não se recebem de volta. Talvez um reconhecimento, um acenar de cabeça em sinal de agradecimento.
Claro que há afetos e afetos. Nem todos têm o mesmo peso emocional. Se o afeto pode significar gostar de alguém, particularmente ou globalmente, o certo é que esse gostar tem cambiantes muito diversos.
O Presidente da República eleito quer que a sua magistratura seja pautada pelos afetos. Tem todo o direito de o fazer e de querer que assim seja. E quem está à espera de os receber, certamente tudo fará para que isso aconteça. Marcelo acabou de abrir as portas a todo um povo que o elegeu e que lhe manifesta muitos afetos, como temos visto nestes primeiros dias do seu exercício. Mas a verdade é que nem todos estão dispostos a fazê-lo. Possivelmente, para esses, os afetos estão demasiado distantes.
Na tomada de posse do Presidente da República, onde estava a fina flor da sociedade portuguesa e alguns representantes estrangeiros, Marcelo foi aplaudido efusivamente mesmo ainda antes de alguém saber o que iria dizer no seu discurso de tomada de posse.Era de bom tom que se aplaudisse o homem, o magistrado, o Presidente e esperar o que ele tinha para dizer a todos os portugueses. Mas a verdade é que a esquerda, aquela que não governa, mas que condiciona e manda no governo do partido socialista, não aplaudiu o preisdente. Ainda não sabiam se o que ia dizer lhes agradaria ou não e portanto, na dúvida, ficaria bem aplaudir, até porque senão foi eleito com os votos deles, vai com certeza ser o presidente de todos os portugueses e, desse ponto de vista, ganhariam certamente muitos pontos.
As criticas foram muitas e essa atitude não lhes granjeará muitos afetos e penso que também eles não estarão à espera que isso aconteça, até porque isso será o mote para as criticas que se seguem. Convinha, no entanto, fazer uma introspeção para ver se as merecem ou não.
Para Marcelo, os afetos significam entendimentos e proximidade, mas parece que nem todos são adeptos dos entendimentos e muito menos de proximidade. Em política valem as meias verdades e nem tudo o que parece o é efetivamente. O que vale são os interesses. Esses condicionam tudo e, possivelmente até os afetos.
O esfroço que o agora Presidente Marcelo terá de fazer é enorme e nem ele o terá já supesado devidamente, sendo embora uma pessoa inteligentíssima. Mas de uma coisa ele tem a certeza: em política nada está resolvido com antecedência. Deste modo, os afetos são simplesmente intenções, boas intenções e só passarão a valer alguma coisa quando com elas conseguir resolver os problemas que se avizinham.
Falar dos problemas que se vivem no bairro do Cerco no Porto e nos pedidos a Marcelo para resolver alguns deles, não é a mesma coisa que falar dos problemas que Marcelo terá de resolver, já que os do bairro do Cerco estão a cargo do presidente do município do Porto e longe de Marcelo. Os dele estão mais perto e estendem-se a um espaço enorme onde muitos presidentes têm igualmente os seus problemas. Cá dentro de portas, são mais problemáticas as situações e vão dar-lhe mais que fazer. E é nessas ocasiões que os afetos podem valer alguma coisa ou não valerem coisa nenhuma.
A verdade é que não se pode espera muito de quem não aceitou a derrota, mas continua a querer mandar em tudo e em todos. E não penso sinceramente que os afetos resolvam esse diferendo. E mesmo que Marcelo continue a dizer que é preferível que o governo dure o seu tempo normal de vigência e eu esteja completamente de acordo com esse pressuposto, o mesmo pode não ser verdade entre os protagonistas do governo e apoiantes parlamentares. Um dos primeiros focos discordantes está em cima da mesa de negociação. O PC e o BE estão contra os apoios aos migrantes e à entrada da Turquia na União Europeia e embora o António Costa fosse dar o apoio do governo português, a verdade é que precisa de aprovação do parlamento e agora o PSD diz que vota contra. A ser assim, será reprovado e o que fará Costa? E será que Marcelo terá de usar a sua influência e todos os seus afetos para sustentar a discordância entre os partidos que apoiam Costa? E senão resultar?
Realmente os afetos têm o peso que têm e nada mais que isso. Será sempre uma boa tentativa a de Marcelo querer manter vivos os afetos e a possibilidade de entendimentos entre todos, mas se fosse assim tão simples, tudo se resolveria da mesma forma. Infelizmente não se resolvem assim. Seja como for, valham-nos os afetos e Marcelo.