Alexandre Parafita
Os contadores de histórias
Tenho em grande apreço os velhos contadores de histórias. Ainda que a sociedade moderna os ignore, não me canso de ir ao seu encontro ao Portugal profundo, às aldeias recônditas. Com eles resgatam-se memórias que são verdadeiros tesouros de cultura e saber. E ouvindo-os, sopram-se acendalhas que fazem um pouco mais de luz no entardecer das suas vidas.
Agostinho Barreira, um velho pastor da Serra do Alvão, hoje com os seus 88 anos, é um desses contadores de histórias. Conta-as como as ouviu aos que já partiram, garantindo que muitas lhe chegaram à passagem de peregrinos, vagabundos, almocreves e galegos. Algumas são tão velhas como o mundo, do tempo em que os animais falavam.
Num dos encontros em plena serra, enquanto admoestava com um assobio a cabrada e o rafeiro, confiou-me uma dessas narrações que, outrora, corriam entre as gentes que iam e vinham nas rogas do Douro.
«Nessas grandes quintas, – contou-me – havia antigamente os criados, que faziam o trabalho do dia-a-dia. E havia os feitores que nada faziam e que só lá estavam para dar ordens. Acontece que alguns eram ruins e faziam a vida negra aos criados. Por isso, numa ocasião andava no seu trabalho um criado muito preocupado, a praguejar e a lamentar a sua sorte, pois estava para vir um novo feitor, e ele com medo que ainda fosse pior do que o anterior.
– Estamos mal. Vamos ter um novo feitor, manda-nos fazer isto, depois aquilo, depois mais isto e mais aquilo, vai ser o bonito...!
Ao pé dele, a ouvi-lo, estava o burro, e, de tanto o ouvir, já estava, também ele, preocupado. Até que lhe procurou:
– Olha lá, será que o novo feitor me vai pôr duas albardas?
– Não, duas albardas não!
– Então quero lá saber! Ele que venha, que a mim tanto se me dá!»
Mais do que uma oportuna visão pragmática da política (ou não estivéssemos à vista de nova luta eleitoral), esta metáfora mostra bem como o povo também sabe rir de si próprio. A forma mais saudável de rir.