Ana Soares
Revolução educativa
Confesso que se há polémica que tenho dificuldade em perceber é a que se gera em torno da liberdade de educação, nomeadamente de cada família poder escolher para os seus educandos o modelo de ensino que mais se adapta aquelas que são as suas convicções subjectivas e projecto educativo.
Efectivamente, o que acontece hoje em dia, e colocando de parte o politicamente correcto, é que quem tem dinheiro pode inscrever os seus filhos na escola que pretender, ou seja, pode escolher. Quem não tem essa possibilidade económica, inscreve os filhos na escola pública em que, atendendo às regras de matrícula, o pode fazer. Ou seja, quem tem dinheiro escolhe, quem não tem resigna-se.
A este título, importa recordar o papel indiscutível que a educação tem na formação de cada um de nós. Aliás, neste mesmo sentido, a educação é hoje entendida em Portugal como função do Estado e instrumento essencial na vida de qualquer cidadão. Esta afirmação é desde logo corroborada pelo seu papel central na sociedade contemporânea e também pelo modo como a Constituição da República Portuguesa a integra nas tarefas fundamentais do Estado. Neste sentido, e numa breve análise aos programas e manifestos eleitorais apresentados nas últimas eleições legislativas pelos partidos políticos com assento parlamentar, facilmente se verifica que a educação merece unanimemente uma atenção particular, o que reforça o seu papel de área estratégica.
É neste contexto que não consigo compreender a polémica em torno do novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo que foi recentemente publicado e que aguarda regulamentação.
Dizem que é um ataque à escola pública. Não concordo. Como pode ser um ataque à escola pública se, no gozo da liberdade de escolha, podem as famílias que assim o entenderem continuar a matricular o seu educando nestes estabelecimentos de ensino? Aliás, parece-me que quem usa este argumento duvida da qualidade da escola pública por achar que, em igualdade de circunstâncias e havendo direito de escolha, a escola pública não se impõe como projecto de qualidade. Lamento quem assim pensa até porque, tendo eu sido aluna do ensino público de educação desde o 5.º ano de escolaridade, posso comprovar na primeira pessoa o empenho inexcedível de muitos profissionais que, dia após dia, dão o seu melhor num projecto educativo que apenas recentemente ganhou contornos de autonomia.
Dizem ainda que o que está em causa é um poderoso lobby de favorecimento da escola particular e cooperativa. Mais uma vez não compreendo este argumento. São pouco claros os números apresentados para o apoio financeiro do Estado, por ano e por aluno, às turmas com contrato de associação, uma vez que este tem por base o valor de custo por aluno nas escolas estatais. No entanto, não é possível verificar o método de cálculo do valor imputado a cada aluno na escola pública. Ou seja, coíbe a racionalização de custos tão importante em época de crise económica mas, ao contrário do que é comum afirmar-se, o problema não se situa no custo da escola particular e cooperativa, mas sim na escola pública. No entanto, sempre se diga que sendo o Estado a impor o valor da subsidiarização, e ainda que os valores objectivos existentes indiquem que o serviço público das escolas particulares fica inclusivamente mais barato, nunca seria o Orçamento do Estado a ser prejudicado pois só entrega o valor que efectivamente gastaria nas suas escolas…
Assim, a grande alteração legislativa é que se até agora o ensino particular e cooperativo apenas ganhava dignidade de educação obrigatória gratuita quando o ensino estatal – por motivos alheios às primeiras instituições – não conseguia abranger, ou abrangia de forma insuficiente, determinado território, deixou de haver este pressuposto.
Nesta questão parece-me claramente que posições pessoais e ideológico-partidárias marcam, de modo profundo, esta discussão. Considero que ao Estado não cabe apenas uma mera abstenção de actos que diminuam a liberdade de opção educativa, mas também o dever de criar condições para a efectividade do exercício das liberdades consagradas na CRP. A liberdade é, para mim, essencial em democracia.
É por estas razões, e por muitas outras que aqui não escrevo para não maçar quem tem a paciência de ler esta crónica, que me assustam as declarações do Senhor Primeiro-Ministro que afirma, após um acto de de louvar e de coragem ao aprovar o Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de Novembro, que o cheque-ensino não será implementado já neste ano de 2014… Espero sinceramente que assim não seja e que, com a entrada em vigor da regulamentação do novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo que se prevê para o próximo mês de Maio, a liberdade de escolha educativa passe efectivamente a estar ao alcance de todos nós e não apenas dos que têm dinheiro para isso.
Um Próspero Ano Novo!