Ana Soares
Universalidade versus obrigatoriedade do Pré-escolar
O Governo anunciou a sua intenção de, integrado na estratégia nacional de combate à pobreza, alargar a escolaridade obrigatório, incluindo o pré-escolar (ou seja, a iniciar aos três anos).
Desde logo, a inclusão desta proposta na estratégia nacional de combate à pobreza parece-me totalmente inusitada. Os dados disponíveis indicam que a taxa de crianças que frequenta o pré-escolar em Portugal é superior a 95%, sendo que empiricamente não é difícil reconhecer que não são os mais carenciados que não têm os Filhos neste nível de educação.
A pobreza combate-se com medidas que lhe sejam dedicadas, não com obrigatoriedades contraproducentes em que quem é prejudicado, a curto prazo, são as crianças. Mais, para além dos efeitos nas crianças, não tenhamos dúvidas que medidas como esta mudam os laços entre as Famílias e, por consequência, serão também nefastos para a sociedade a médio prazo.
Por outro lado, e supondo não se pretender transformar o pré-escolar em (mais um) nível de aprendizagens forçadas onde o brincar seja colocado de lado e se obriguem as crianças a ser tudo menos crianças (e necessariamente menos felizes e capazes), não consigo sequer compreender a lógica da obrigatoriedade. Estará o Estado a querer retirar o pouco poder de decisão que ainda cabe às Famílias relativamente às suas crianças? Na idade pré-escolar o essencial é a criança brincar, experimentar, vivenciar, sendo livre na sua individualidade e desenvolvimento natural.
Se uma Mãe escolhe estar com os Filhos de 3 anos nas suas folgas, está a ser uma Mãe presente ou deve o Estado impedi-la de o fazer obrigando a criança a estar na escola? E se um Pai decide, numa semana em que usa férias para fazer “ponte”, passar este tempo com os seus Filhos de 3 e 4 anos, deverá o Estado impedi-lo de passar tempo de qualidade com eles, aplaudindo – pelo contrário – apenas que o faça se as crianças estiverem doentes? E se os Avós ficarem com a criança uma vez por semana e forem passear com ele ou simplesmente deixá-lo brincar com o cão lá de casa e partilhar histórias e momentos?
Suponhamos ainda uma criança de 3 anos que necessita (e conheço tão poucas que não necessitam) de fazer a sesta para estar bem e na escola onde está inscrito já não o permitem no pré-escolar (o que só por si merecia um artigo completo já que é praticamente consensual a nível pediátrico que é uma necessidade para uma criança saudável e equilibrada)… Se os pais só trabalham a partir das 17h, devem ser obrigados a não estar com a criança e negar-lhe esta necessidade básica que é dormir face a uma lei que os obriga a mantê-la na escola tendo 3 ou 4 anos de idade?! Numa sociedade em que tantas vezes se fala no abandono familiar de idosos e na crise da Família, urge perceber que os laços emocionais se criam com vivências, não por decreto!
É verdade que, para algumas crianças, a refeição que comem na escola é muitas vezes a única refeição digna desse nome. Este tem sido o único argumento não falacioso que tenho ouvido quanto à proposta de obrigatoriedade do pré-escolar. Mas então ataquem-se os motivos deste facto, criem-se soluções com apoios reais às Famílias, porque não será certamente pelo englobamento da educação pré-escolar na escolaridade obrigatória que deixará de ser assim, pelo contrário, só se estará a tapar o sol com uma peneira.
Em vez de tanto se pretender impor a obrigatoriedade (percebendo-se até os interesses por detrás que nada estão relacionados com o tão propagandeado combate à pobreza), o pré-escolar precisa é de dignidade. Urge perceber que nele não deveria haver lugar à mecanização de comportamentos e opção pelas soluções mais fáceis e que se fazem há décadas, mas à vivência das crianças no seu esplendor, na conquista de competências e aptidões naturais como a empatia social, a criatividade, a imaginação, a auto-confiança, o respeito, o desenvolvimento e bem-estar emocional, etc.
E sendo esta a sua missão é um nível de educação cujos profissionais têm de ser reconhecidos, bem como a sua importância (quando vivido com qualidade e não apenas cumprindo os requisitos mínimos como se vê em akguns estabelecimentos) na vida futura da criança. A escola não pode (não deve!) ser um depósito de crianças e nas idades do pré-escolar isto é particularmente premente!
Os educadores e auxiliares têm nas suas mãos uma missão extraordinária, em complemento da Família, que é acompanhar o crescimento de crianças felizes, plenas e equilibradas, num mundo acelerado em que tantas vezes se espera que sejam pequenos adultos padronizados e formatados.
O acesso universal à educação pré-escolar (que seja real em termos de colocação e proximidade com a Família) é uma condição de igualdade e de concretização dos Direitos da Criança. A inclusão do mesmo no ensino obrigatório é, na minha opinião, a imposição de um modelo de sociedade, onde a Família é quem menos decide. E isto é tão democraticamente perigoso quanto socialmente atroz e contrário ao superior interesse da criança!